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Sobre 13 reasons why - parte 2

DE NOVO: Porque a série 13 reasons why não deveria ser veiculada.

1o. Programas tipo essa série AUMENTAM a incidência de tentativas de suicídio, portanto, NÃO VALE O RISCO!

2o. NÃO estou falando da MINHA opinião. Profissionais de saúde mental devem se basear em EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS e não em casos anedóticos ou opinião pessoal. Se for pra dar e receber conselho e opinião, sugiro uma boa tarde com amigos no bar. [leiam até o final para ver as evidências]

3o. Suicídio não é escolha livre de ninguém. 90% dos casos está associado com transtornos mentais e a definição básica de transtorno mental é a PERDA de capacidade (ainda que transitória) de tomada de decisões do indivíduo. [O comportamento, pensamento e emoções em um transtorno mental são DESPROPORCIONAIS ao estímulo(s) que o desencadeia, INCONTROLÁVEIS para a tomada de decisão e PREJUDICIAIS em pelo menos um âmbito da vida. Portanto, estamos falando de algo que não é CONTROLÁVEL pelo indivíduo como a série propõe.]

4o. Netflix está dando uma de "joão sem braço" ao falar que teve consultores em saúde mental pra série e se eximir da responsabilidade. Ou isso ou os consultores esqueceram de ler as orientações BÁSICAS da Organização Mundial de Saúde que diz pra fazer o oposto do que eles fizeram. Segue link para leitura aqui

5o. Netflix -- além de mudar a glamourização que deu ao suicídio de Hannah, a exibição do ato em si e a premissa de que procurar ajuda não funciona -- deveria ter colocado ANTES e DEPOIS de todos os episódios e DURANTE os momentos críticos dos episódios informações sobre busca de atendimento profissional e dados de como é possível tratar depressão e outras condições mentais. Fazer um episódio pós série (que nem eu vi como acessar, talvez pelo impacto do último episódio) é insuficiente.

6o. NENHUM ENTRETENIMENTO vale o RISCO de alguém tirar a própria vida. De novo, se você achou bacaninha a série eu fico feliz por você. Se você tem um transtorno mental ou está sofrendo e a série fez você buscar auxílio eu fico MUITO feliz por sua iniciativa, mas isso apenas mostra o quanto falamos pouco sobre saúde mental e como buscar ajuda ainda é tabu.

7o. O dado de aumento de quase 500% nas ligações para o CVV deveria ser visto com cuidado. Primeiramente porque CVV (que faz um trabalho INCRÍVEL) não é suficiente para lidar com transtornos mentais. Eles fazem um trabalho agudo, pontual. E questões agudas são desencadeadas por gatilhos específicos, como a série, veja só! Com a quantidade de gente só no Brasil que já viu essa série e usando a estimativa de 1 em cada 4 (isso mesmo, 25% da população adulta) OU 1 em cada 5 (20% da população jovem) ter alguma condição de sofrimento mental, a busca por auxílio é MUITO PEQUENA. E há casos no qual a série pode ser um gatilho do mal. De novo, NÃO VALE O RISCO.

8o. Há inúmeros dados de pesquisas mostrando evidências científicas de FORTE CORRELAÇÃO entre a apresentação desse tipo de programa e aumento da taxa de suicídios. Abaixo uma listinha para os profissionais de saúde mental e curiosos. Acrescento ainda que leiam o post do Pablo Villaça AQUI e do LF Tófoli AQUI sobre o assunto. Duas das melhores análises que já vi sobre o tema.

a) "The impact of suicide in television movies. Evidence of imitation." (GOULD, MS; SHAFFER, D.), que analisou estatisticamente a incidência de suicídios entre adolescentes antes e após a exibição na tevê de filmes que traziam personagens se matando, comprovando, para além da possibilidade de aleatoriedade estatística, uma relação causal entre ambos. [https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3748073]

b) "Clustering of teenage suicides after television news stories about suicide." (PHILLIPS, DP, CARSTENSEN, LL), que, embora parta da análise da influência de notícias sobre suicídios, também aborda o possível impacto entre histórias envolvendo suicídios e aumento de ideação suicida - e correlações estatísticas foram encontradas em ambos os casos. [https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3748072]

c) "Exposure to Suicide Movies and Suicide Attempts." (STACK, Steven; KRAL, Michael; BOROWSKI, Teresa), publicado em 2014, avaliou a exposição de adolescentes a filmes que retratavam o estudo, "Uma análise de regressão logística multivariada determinou que, já incluindo outros fatores de controle, para cada EXPOSIÇÃO ADICIONAL A UM FILME (QUE RETRATA O SUICÍDIO) O RISCO DE TENTATIVA DE SUICÍDIO AUMENTAVA EM 47,6%".[http://www.tandfonline.com/…/…/10.1080/00380237.2014.856707…]

d) "Suicide and the entertainment media" (PIRKIS, Jane; BLOOD, Warwick). O que este estudo em particular tem de curioso é o fato de que se concentrou na tarefa de quantificar e avaliar os achados de dezenas de outros estudos sobre o tema para definir se havia alguma consistência entre eles. [ Ao todo, avaliaram quase 50 estudos: 27 sobre filmes e séries; 19 sobre música e o único encontrado sobre teatro. A conclusão: "Estudos adicionais são necessários, mas "há evidências da associação entre a representação de suicídio na MÍDIA DE ENTRETENIMENTO e comportamento suicida real"] [http://www.mindframe-media.info/…/Suicide-and-the-entertain…]

RESUMO: Não estamos falando de OPINIÃO PESSOAL, nem que a série vai gerar prejuízo em TODAS AS PESSOAS, ou que não devemos FALAR SOBRE SUICÍDIO E SAÚDE MENTAL, ou que o Netflix FEZ ALGO BOM PARA A SOCIEDADE com essa série. Estamos falando aqui de evidências científicas que mostram que, da forma como a série foi conduzida, há RISCO de aumento de tentativas de suicídio e o risco NÃO COMPENSA o suposto ganho da exibição da série.

É preciso falar sobre saúde mental. É preciso prevenir transtornos mentais. É preciso incentivar a busca de auxílio profissional que, repito, funciona. Mas não podemos ser lenientes com uma empresa comercial que fez um programa de entretenimento (e eles são incríveis nessa área) e achar que eles não são responsáveis pelos impactos disso.

Não é possível ouvir TODOS OS DIAS de colegas o impacto da série em seus pacientes (e, veja, esses já têm apoio profissional).

Não é possível ouvir que ESCOLAS querem passar a série em sala de aula para que os professores discutam com os alunos, que mesmo que tenham boa intenção NÃO TÊM formação para tanto e não vão conseguir controlar o impacto disso.

Não é possível JOGAR NO LIXO EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS e achar que tudo é uma questão de opinião.


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